Vamos por partes. O termo “intolerância alimentar” é um termo geral para qualquer resposta nociva após a ingestão de um alimento. Mas nem todas estas respostas são alérgicas. De uma forma geral as reações adversas a alimentos podem ser divididas em alergias alimentares, que são mediadas imunologicamente, e todas as outras reações, que não são imunológicas.
As reações adversas a alimentos são frequentes e é muitas vezes assumido pelos pais serem de natureza alérgica. No entanto, as reações não imunológicas aos alimentos são mais comuns do que as verdadeiras alergias alimentares.
Uma alergia alimentar ocorre devido a uma resposta imunológica anormal após a exposição (geralmente ingestão) a um alimento. A maioria das reações alérgicas alimentares são de início rápido, começando tipicamente dentro de alguns minutos a duas horas a partir do momento da ingestão. Os sinais e sintomas podem envolver pele, aparelho respiratório, aparelho gastrointestinal ou sistema cardiovascular.
Os sintomas gastrointestinais
Alguns sintomas, incluindo náusea, dor abdominal, cólicas abdominais, vómitos ou diarreia, são frequentes após a ingestão de um alérgeno alimentar. No entanto, os sintomas gastrointestinais raramente são as únicas manifestações de uma reação alérgica alimentar. Mais frequentemente estes sintomas gastrointestinais ocorrem em conjunto com o aparecimento de outras queixas, seja na pele ou respiratórias. O início de alguns dos sintomas gastrointestinais (náuseas, vómitos, dores abdominais) é geralmente de alguns minutos a duas horas após a ingestão do alimento “agressor”, mas outros sintomas gastrointestinais, como a diarreia, podem começar duas a seis horas após a ingestão.
Reações na pele
A urticária aguda e o angioedema são provavelmente as manifestações cutâneas mais comuns das reações alérgicas a alimentos, geralmente aparecendo em minutos após a ingestão de um alimento para o qual a criança é alérgica. Visto de outra forma, a alergia alimentar pode ser responsável por 20 por cento dos casos de urticária aguda.
Alguns alimentos também podem causar urticária por contacto com a pele. Nesta situação a urticária ocorre apenas sobre a pele que esteve em contacto direto com o alimento. Carnes cruas, frutos do mar, vegetais crus, frutas, mostarda, arroz e cerveja estão entre os alimentos que têm sido implicados nesta forma de reação.
Garganta e trato respiratório
Os sintomas da orofaringe podem ocorrer isoladamente ou como parte de uma reação sistémica a um alimento e incluem o início imediato de sensação de comichão na garganta, irritação e leve inchaço dos lábios, língua, céu-da-boca após a ingestão de produtos frescos como frutas ou legumes crus. As frutas e legumes cozidos normalmente não provocam estes sintomas. Os sintomas geralmente desaparecem dentro de minutos após terminar a ingestão do alimento em causa. Como exemplos, temos as crianças que desenvolvem estes sintomas após comer maçã, pera, cereja, cenoura, aipo, batata, melão ou banana. As nozes e amendoins também podem causar sintomas orais isolados.
Uma rinite, conjuntivite ou asma, em resposta a um alimento é uma situação rara. Na maioria dos casos, quando uma crise de asma ocorre após a ingestão de um alimento para o qual a criança é alérgica, isso acontece como um componente de uma reação alérgica alimentar generalizada.
Pode não ser alergia
O diagnóstico diferencial da alergia alimentar inclui uma variedade de doenças resultantes de reações aos alimentos e que não são alergias. É importante não esquecer que, no seu conjunto, esses tipos de reações adversas aos alimentos são muito mais frequentes do que a alergia alimentar em si. Exemplos disso incluem a intolerância à lactose, o refluxo gastroesofágico e problemas resultantes de alterações anatómicas e neurológicas, deficiências enzimáticas, doenças metabólicas, intoxicações ou infeções gastrointestinais. As reações alérgicas aos aditivos alimentares são raras.
Diagnóstico: testes e análises
Para o diagnóstico de uma alergia alimentar o mais importante é o histórico da criança, que é relatado pelos pais. Por vezes a situação é tão evidente que dispensa a realização de mais testes. Noutros casos, a dúvida persiste e é necessária a realização de alguns testes. No entanto, a história relatada pelos pais é sempre essencial para o diagnóstico de uma alergia alimentar e é usada para determinar quais os testes a utilizar em seguida.
Nos testes cutâneos, uma pequena quantidade daquilo a que se suspeita que a criança é alérgica é introduzido na pele da criança com a ajuda de uma pequena lanceta.
Para além disso é também aplicado um controlo positivo (a histamina, a que todas as crianças respondem) e um controlo negativo (solução salina) a que nenhuma criança responde, e que servem para validar se o teste foi bem executado. Um qualquer alergénio que provoque uma pápula com pelo menos três milímetros de diâmetro é considerado positivo. Qualquer outra pápula é considerada negativa.
Se a criança for alérgica a esse alimento irá desenvolver uma reação na pele. Os testes cutâneos devem sempre ser selecionados e interpretados no contexto da história clínica específica de cada criança.
Os testes cutâneos por picada são altamente reprodutíveis e relativamente baratos. O desconforto que provocam é mínimo e os resultados ficam disponíveis ao fim de apenas 15 minutos. Este tipo de teste pode ser realizado com segurança em crianças de qualquer idade.
Apesar de serem um procedimento seguro, algumas reações alérgicas podem ocorrer durante a sua execução, principalmente nas crianças com um grau de alergia mais elevado. Por isso recomenda-se que este tipo de testes seja realizado apenas por especialistas e num local que possua equipamento de emergência e medicamentos antialérgicos imediatamente disponíveis.
Certos medicamentos, como os anti-histamínicos, podem interferir com os testes cutâneos e por isso devem ser interrompidos uns dias antes. Também algumas doenças da pele podem impedir a realização dos testes, como a urticária ou uma dermatite atópica grave ou generalizada.
Estes testes são altamente sensíveis mas apenas moderadamente específicos. Por isso a sua interpretação, quando positiva, deve ser feita com cuidado pois podem aparecer na pele reações a alimentos que na realidade a criança tolera bem. Pelo contrário, quando são negativos têm maior valor pois permitem excluir, com bastante grau de segurança, uma alergia para aquele alimento.
De zero a seis
As chamadas “análises de alergia”, menos sensíveis que os testes cutâneos, são significativamente mais dispendiosas e os seus resultados não ficam tão imediatamente disponíveis. No entanto, apresentam algumas vantagens pois não são afetadas pela presença de anti-histamínicos ou outras medicações que a criança esteja a tomar e são úteis em crianças com doenças de pele que podem impedir os testes cutâneos, como a dermatite atópica grave.
São também de grande utilidade em crianças com antecedentes de uma reação alérgica grave, em que fazer um teste cutâneo pode ser perigoso. Os resultados destes testes são apresentados em classes de acordo com o grau de alergia encontrado, habitualmente de zero (sem alergia) a seis (alergia máxima).
Dietas especiais
Por vezes o médico pode sugerir uma “dieta de eliminação” em que a criança evita o alimento que supostamente lhe provoca alergia. Numa dieta de eliminação o médico remove um ou vários alimentos suspeitos da dieta de uma criança para determinar se eles são a causa das suas queixas. Se se notarem melhoras, então a hipótese de alergia é real e outros testes devem ser realizados para confirmar o diagnóstico. Se não se notarem melhoras com o período adequado de prevenção, então a alergia a esse alimento é pouco provável. Estas dietas de eliminação duram habitualmente duas semanas, o que é geralmente suficiente para se chegar a alguma conclusão.
Noutros casos é feito exatamente o oposto. Numa “dieta de provocação” a criança ingere um alimento suspeito sob a supervisão do médico, em quantidades crescentes. Estas provas de provocação só devem ser realizadas por especialistas e em ambientes equipados com tudo o que é necessário (medicamentos, equipamentos e pessoal) para tratar uma eventual reação alérgica grave.
ANAFILAXIA, A REAÇÃO MAIS TEMIDA
Algumas crianças podem desenvolver uma combinação de sinais e sintomas que envolvem ao mesmo tempo vários sistemas do corpo, com manifestações cutâneas, respiratórias, gastrointestinais e cardiovasculares, que constituem uma doença chamada de anafilaxia. As reações anafiláticas são geralmente graves, podendo dar origem a hipotensão, choque ou mesmo a morte. São por isso mesmo a reação alérgica mais temida e aquela que deve motivar a ida ao hospital com a maior urgência.