Num inquérito realizado há alguns anos, quase todos os pais atribuíam à febre um significado negativo. Associavam-na a doenças graves e não viam na subida da temperatura qualquer aspeto positivo. Provavelmente, será o mesmo que vós, leitores, pensam neste momento… E, contudo, a febre é um fenómeno desejável, uma COISA BOA. Quem diria…
A febre deve ser considerada como uma resposta do organismo a uma grande variedade de fatores, internos e externos, com destaque para os micróbios que nos rodeiam. Só os animais superiores, como o homem, é que têm este complexo mecanismo de defesa, o que mostra bem a sua importância e a sua necessidade.
É difícil dizer onde “começa” a febre, já que a temperatura corporal de base varia de pessoa para pessoa. Na criança, a regulação da temperatura é menos exata do que no adulto, pelo que, de forma geral, podem considerar-se normais as temperaturas rectais entre 36,2ºC e 38,0ºC. A temperatura varia ao longo do dia e, depois do segundo ano de vida, as máximas ocorrem entre as 17h e as 19h (quando se vai buscar a criança ao infantário…) Na prática, pode considerar-se que febre é qualquer elevação da temperatura rectal superior a 38,5ºC, e que febrícula é a elevação da temperatura que não chega a atingir esse valor. Aliás, o que interessa, para os pais, é dividir a temperatura em quatro grandes áreas – e há já instrumentos de rastreio, simples, de medição na testa, que as indicam: 1. não tem febre; 2. tem febre baixa; 3. tem moderada; 4. tem elevada. Para tomar atitudes, é isto que interessa.
Quando a temperatura ultrapassa o que costuma ser o “normal” para a criança, dizemos então que está alterada. Mas atenção: há dois tipos de “elevação da temperatura” – a febre e a hipertermia. Veremos a seguir a diferença entre as duas. A elevação da temperatura tem um papel muito importante na luta contra a infeção, através de uma grande variedade de mecanismos de ação – os micróbios, por exemplo, morrem muito mais depressa com temperaturas entre os 37ºC e os 40ºC; os mecanismos de defesa da criança atuam melhor na presença de febre e quase todos os antibióticos são mais eficazes quando a criança está febril.
A febre não é, portanto, uma doença, é um sinal e, como tal, deve ser respeitada. A ansiedade dos pais e a atitude de facilitismo dos médicos faz com que, muitas vezes, se medique demasiado a febre. Esta atitude comporta alguns riscos, faz perder um sinal precioso da evolução da doença e é, em muitos casos, desnecessária e ineficaz.
Como se faz a regulação da temperatura
A temperatura do corpo depende, tal como a temperatura nas nossas casas, de um equilíbrio entre a produção e a perda de calor, o que permite mantê-la dentro dos limites desejados, apesar das grandes variações térmicas a que o organismo está sujeito.
Existe uma produção de calor obrigatória para nos manter vivos, a qual é produzida pelas células, independentemente da nossa vontade, e está associada às atividades do dia-a-dia, principalmente à actividade dos músculos – é por isso que o nosso corpo está, em média, a 37ºC. Os músculos são grandes produtores de calor: basta fazer um pouco de exercício – correr, abrir e fechar os braços repetidamente, etc. – para ficarmos cheios de calor.
A regulação da temperatura é feita no cérebro, num órgão chamado hipotálamo. Este tem um centro da temperatura, constituído por uma região sensível à temperatura, em tudo semelhante a um termostato, uma região reguladora (chamada ponto de fixação) e regiões que atuam (áreas de ganho e perda de calor). A primeira é comparável a um computador que recebe informações constantes de diversos pontos do organismo – sangue, pele, órgãos internos – as codifica e “diz” se há necessidade de aumentar, diminuir ou manter a produção de temperatura. Da mesma forma, este centro atua sobre o chamado “ponto de fixação”, onde é fixada a temperatura desejada – normalmente cerca de 37ºC axilar (equivalente a cerca de 38ºC rectal). É como se o hipotálamo fosse uma pessoa que tem como missão dizer se a temperatura de uma sala deve ser esta ou aquela, e o ponto de fixação fosse o ponteiro que se movimenta para marcar a temperatura desejada.
Como surge a febre
Imaginem uma sala com ar condicionado e um termostato. Se na sala estiverem por exemplo 18ºC e rodarem o termostato para 22ºC, o aparelho de ar condicionado começa a produzir calor. É a função dele!
Do mesmo modo, no corpo da criança, quando há uma infeção, são os micróbios que “mexem” no ponto de fixação do hipotálamo e “marcam” uma temperatura acima dos valores normais. Perante esta exigência – supondo, por exemplo, que a temperatura exigida era 39ºC – o centro de ganho de calor vai ser ativado e a criança fica com os músculos mais rígidos, tem calafrios (abalos musculares que podem simular convulsão), pele branca, não transpira, queixa-se de frio e procura agasalhar-se – parece que está num dia frio de Inverno – tem FEBRE! Só quando a temperatura sobe até ao ponto exigido – 39ºC neste exemplo – é que os mecanismos param e a criança sente-se melhor – quente, mas melhor.
Pelo contrário, no caso de hipertermia, ou seja, quando há excesso de calor ambiental, por exemplo, o hipotálamo está normal, ninguém lhe “mexeu”, pelo que vai exigir do organismo a perda desse calor que não provém das suas “ordens”, mas sim de fatores externos: a criança fica “encarnada”, transpira, não tem calafrios, queixa-se de calor e procura despir-se – parece que está num dia quente de verão.