Não é birra, dói-lhe a barriga!

Quando este stresse começa a manifestar-se, a digestão muda e, o que para os adultos são problemas de digestão, para as crianças são “dores de barriga”.

 O Francisco queixa-se muitas vezes de dores de barriga. Mas quando a mãe chega do trabalho e fica em casa com ele, dez minutos depois encontra-o a brincar feliz e sem sintoma algum. “Enganaste-me, tu não estás doente”, diz a mãe, aborrecida. O menino olha, chocado. A verdade é que ele tinha dores de barriga, mas agora já não… ou pelo menos não tanto. Ficar em casa com a mãe faz com que o pequeno Francisco se sinta seguro e assim a sua dor de barriga desaparece. O que pode estar a acontecer?

A dor abdominal nas crianças é o primeiro sinal de stresse. Quando este stresse começa a manifestar-se, a digestão muda e, o que para os adultos são problemas de digestão, para as crianças são “dores de barriga”.

A situação manifesta-se como dor de barriga e, desta forma, vai-nos dando pistas. Se a criança se queixa quando a estamos a preparar para ir para o colégio, o que se passa pode estar relacionado com a escola. Talvez tenha algum problema: foi repreendida pela professora, empurraram-no no recreio, o seu melhor amigo disse-lhe que já não era mais ou talvez tenha um teste em breve. Também pode estar relacionado connosco: não quer separar-se da mãe por qualquer motivo. Perdê-la de vista provoca-lhe stresse.

“As crianças também representam os seus conflitos psíquicos através do corpo e do comportamento”, comenta o psicólogo Pablo García Túnez. Temos que entender os seus sinais com sensibilidade. Também com cuidado, porque se cada vez que lhe dói a barriga o deixamos em casa em vez de o ajudarmos a enfrentar as suas dificuldades, é possível que diga que lhe dói a barriga cada vez que não quer ir à escola. Devemos ajudá-lo a enfrentar a situação que lhe causa stress, em vez de reforçar que a evite com flexibilidade.

O que fazer

“Quando um conflito psíquico se expressa através do corpo é normalmente por falta de recursos: quando as coisas se podem falar, o mau estar diminui”, explica Pablo García Túnez. Às vezes nem sequer é necessário encontrar uma solução: basta dizer o que se passa para que desapareça a dor física e emocional.

Há muitas coisas que os pais podem fazer para ajudar os seus filhos, e esta é talvez a mais importante: observar a criança, ouvi-la e criar um clima em que ela se possa expressar. Observar, de forma indireta, a sua vida para que consiga perceber o que é tão stressante: sofre de bullying na escola? Assiste a muitas discussões entre os pais? Morreu o seu animal de estimação? O seu melhor amigo mudou de casa? Há assuntos que os adultos não dão importância mas que geram um grande conflito na criança.

A palavra não é a única forma de expressão. Quanto mais pequenas são as crianças mais importantes são outras coisas como o desenho e, sobretudo, os jogos. As crianças resolvem os seus problemas a jogar. Entre 30 a 50 por cento das dores de barriga recorrentes de origem funcional desaparecem de forma espontânea; e é assim que as crianças encontram forma de solucionar os seus problemas, se lhes dermos muito tempo para brincar.

Também podemos incentivar os nossos filhos a praticar desporto, porque os ajuda a libertar stresse e dar prioridade às atividades em que eles se sentem bem, como ir ao cinema, fazer passeios, etc.

É suficiente para localizar o conflito, prestar-lhe atenção e escuta-lo. “É como quando cai, basta acariciá-lo e a dor vai embora”, recorda Pablo García Túnez. Se o ouvirmos, mimarmos, brincarmos mais com ele, sem por isso deixar de manter os limites necessários e as regras básicas, pode ser que ele vá resolvendo o seu conflito. Porém, por vezes é necessária a ajuda de um profissional.

PODE A CRIANÇA TER UMA DOR DE BARRIGA SEM QUE A CAUSA SEJA FÍSICA?

Quando uma criança se queixa frequentemente de dor de barriga, há que levá-la  ao pediatra para ele descartar ou confirmar algumas das causas mais comuns de origem física, como a prisão de ventre, as intolerâncias alimentares, os parasitas intestinais, entre outros. Se o médico conclui que a origem não é física temos que enfrentar o problema de outra maneira.

Pode a criança ter uma dor de barriga sem que a causa seja física? Sim. Chama-se dor de barriga funcional. Costumamos dizer que é tudo mentira ou invenção da criança, mas na verdade não é. A dor funcional geralmente ocorre à volta do umbigo, mas se pedir à criança para especificar onde é, não vai saber dizer. E pode aparecer coincidindo com certas situações.  A dor de origem física geralmente vem acompanhada de outros sintomas: a criança acorda durante a noite, localiza-se num ponto concreto, vem acompanhada de dores nas costas, a criança perde peso ou deixa de crescer.

Das dores, a mais comum é a funcional. Entre 15 a 20 por cento das crianças e adolescentes em idade escolar já sofreu deste problema.

Quando o pediatra descarta a causa física, por vezes respiramos de alívio e concluímos “Pronto, não se passa nada”. Mas não é verdade. Algo se passa e temos que arranjar soluções, como faríamos se fossem parasitas intestinais.

 Não devemos menosprezar os sinais da criança nem alarmar-nos muito com a situação pois isto pode criar mais preocupação à criança e, assim, causar mais dor. Se a dor de barriga persiste e também está acompanhada de ansiedade, agressividade ou timidez, chegou o momento de procurar um especialista, alguém que o ajude a desenvolver ferramentas para enfrentar as suas dificuldades.