Se o diagnóstico e o tratamento não forem precoces, a luxação congénita da anca pode ser incapacitante, levando a um elevado grau de deficiência e a problemas ortopédicos na infância e na idade adulta.
Chama-se “luxação congénita da anca” às situações em que a relação entre a parte superior do osso da perna (cabeça do fémur) e a superfície do osso da bacia que o recebe (acetábulo do osso ilíaco) está alterada. Com o crescimento, se nada for feito, o fémur irá criar uma nova articulação com o ilíaco, prejudicando gravemente a estabilidade e a marcha.
A incidência de luxação congénita da anca na etnia caucasiana é de cerca de 2 em cada 1000 nados vivos, sendo muito inferior em outras etnias. Há, no entanto, uma outra situação, designada por “anca instável”, indistinguível da verdadeira luxação na altura em que o tratamento é recomendável, e que tem uma incidência bastante superior (cerca de 15 a 20 em cada 1000 nados vivos). Desta forma, para efeitos práticos, e com vista a uma deteção precoce, englobam-se as duas situações no termo “doença luxante da anca”, ou seja, DLA. Os pais já estão habituados a que as ancas sejam observadas, no exame do bebé, sobretudo no primeiro ano de vida. Aliás, essa pesquisa está referenciada no Boletim de Saúde do bebé para que ninguém se esqueça de a fazer. Há situações que estão associadas a uma maior probabilidade de ter uma luxação da anca, desde fatores genéticos – como uma história familiar de doença luxante (20 vezes mais!), ou o sexo feminino (5 vezes) – ou fatores gestacionais – pouco líquido amniótico, primeiro filho, atraso de crescimento intrauterino, bebé “pélvico” (15 vezes mais!) ou cesariana. Também há uma incidência maior de DLA quando existem outras malformações congénitas, especialmente dos pés.
Como se deteta a “doença luxante da anca”
A DLA tem uma fase latente e assintomática que importa detetar, pois é nessa fase que o tratamento resulta por inteiro. Se se espera que haja sintomas de “algo estar mal” a nível da estabilidade da articulação, em termos funcionais, será provavelmente demasiado tarde para um tratamento simples, passando a criança por várias cirurgias, internamentos prolongados e, quantas vezes, sequelas definitivas. Os sintomas e sinais são, portanto, demasiadamente tardios reduzindo as probabilidades de êxito.
– Manobra de Ortolani-Barlow
Depois de observar visualmente as ancas, a primeira manobra que o médico faz para detetar uma eventual doença luxante chama-se “manobra de Ortolani-Barlow”. Marino Ortolani foi o pediatra italiano que, no princípio do século XX, perante todos os casos de jovens que lhe apareciam a coxear de uma só perna sem outras razões, pensou no que seria esta doença e se não haveria forma de a detetar antes que fosse tarde. Barlow, um cirurgião pediatra, introduziu algumas modificações na manobra inicial.
A manobra de Ortolani é feita logo ao nascer, e repetida em cada consulta, sendo especialmente importante até aos dois meses. É aquele exercício que o médico faz, pegando nas coxas do bebé, abrindo-as e rodando-as. Os bebés, normalmente, choram subitamente, dando aos pais a impressão que o médico fez qualquer coisa de errado. Mas não. O choro é um choro reflexo e não corresponde a nenhum tipo de dor. O que se pretende com esta manobra é girar o osso (cabeça do fémur) para ver se ele sai e reentra no lugar; se assim for, o médico sente uma espécie de ressalto, um “clunk”. Embora esta manobra possa ser efetuada por qualquer profissional, desde que competente, experiente e motivado, há que ter algum cuidado porque, nos bebés, a articulação da anca é especialmente frágil e vulnerável. Puxar mal pode causar lesões vasculares mínimas, mas que depois poderão, no futuro, vir a traduzir-se em situações de doença. Aliás, os bebés defendem-se da extensão, adotando a posição de “rã” quando estão no berço.
– Verificação da abertura das pernas
Outra manobra que o médico faz é ver se as pernas do bebé abrem bem, até tocar com o lado na marquesa. Chama-se a este movimento: “abdução”. Há bebés que têm uma limitação da abdução, sem que isto corresponda a nada da articulação, mas apenas a um fenómeno tendinoso que pode gerar um barulhinho – um “click”, diferente do “clunk” sentido pela mão. A limitação à abdução é muito importante, sobretudo se for unilateral.
– Assimetrias
Outro aspeto a valorizar, já depois dos dois meses, é o encurtamento da perna do lado afetado, e uma assimetria entre os dois lados (com as ancas fletidas) ao comparar o nível dos joelhos. O joelho do lado afetado ficará num plano abaixo do do lado oposto.
Um sinal pesquisado e que os pais veem é o exame das pregas das coxas, quer com o bebé deitado de costas, quer de bruços. Quando as pregas cutâneas são assimétricas pode ser um sinal de doença luxante, mas muitos bebés, especialmente os mais “gordinhos”, podem ter as pregas diferentes.
Como sinais de eventual doença luxante da anca pode também haver um achatamento da nádega do lado afetado, com o bebé deitado de bruços. De igual modo, é importante observar a postura da perna em repouso: o lado afetado tem tendência a estar rodado, fletido e em abdução. Há que contar com uma coisa: nos casos em que a doença luxante é bilateral, todos os sinais que têm a ver com assimetrias desaparecem, como é evidente, mas mantém-se a dificuldade na abdução e a positividade da manobra de Ortolani.
– A marcha
A incidência de atraso no início da marcha (“não andar aos 18 meses”) é quatro vezes maior nas crianças com DLA do que nas crianças sem esta doença. No entanto, vendo a coisa ao contrário, 80% das crianças com DLA iniciam a marcha na idade normal, pelo que este dado, embora possa levantar suspeitas, ocorre apenas numa minoria de casos. De qualquer forma, seria sempre muito tarde detetar uma DLA já com a criança a andar.
Uma DLA unilateral produzirá impotência funcional do lado afetado, e a criança tende pois a cair para esse lado. Se a alteração for bilateral, a marcha é do tipo de “marcha de pato”, com lordose acentuada (barriga forçada para a frente e aumento da curvatura da coluna). Com o passar do tempo, a marcha fica profundamente perturbada, por vezes para sempre, e a criança não consegue manter-se equilibrada sobre a perna afetada, inclinando-se para esse lado. Ainda se veem pessoas, na rua, com este andar característico..