Está a crescer bem? As curvas de percentis são uma ferramenta fundamental para avaliar o desenvolvimento do bebé.
Mas é preciso saber interpretá-las para evitar preocupações desnecessárias.
Existem poucas questões que preocupam tanto os pais no início de vida dos filhos como esta: “O meu bebé está a crescer bem?”. É aqui que começa a viagem pelo, até então, desconhecido mundo dos percentis. E quando os valores fogem da normalidade, sobretudo quando o percentil é muito baixo, começam as preocupações e, por vezes, uma certa obsessão. Quase sempre desnecessária. Até porque os bebés não são todos iguais, não crescem todos ao mesmo ritmo e podem parecer bastante diferentes dos filhos dos amigos e até dos irmãos quando tinham a mesma idade. E, ainda assim, são perfeitamente normais e saudáveis.
As curvas de percentis, incluídas nos boletins individuais de saúde, são ferramentas indispensáveis para os médicos, mas é preciso saber interpretá-las. Um percentil isolado tem muito pouco significado. “A avaliação antropométrica permite avaliar o crescimento e o estado de nutrição individual e populacional, e assim identificar os desvios da normalidade”, explica o pediatra António Guerra, referindo que “os parâmetros sistematicamente avaliados incluem o peso, o comprimento/estatura e o perímetro cefálico”. Mas, sublinha o especialista, “para além da avaliação daqueles parâmetros, importa interpretá-los corretamente”.
E é aqui que entram as curvas de percentis: “Permitem-nos confrontar os dados das nossas avaliações com os valores de referência”. Na realidade, não são mais do que valores estatísticos que nos dizem qual é a percentagem da população (com a mesma idade e do mesmo sexo) que tem um valor igual ou inferior. Por exemplo, dizer que um bebé de oito meses do sexo feminino está no percentil 75 de peso significa apenas que 75 por cento dos bebés daquela idade e daquele sexo têm um peso igual ou inferior ao dele (e que os restantes 25 por cento pesam mais do que ele).
Ou seja, “a cada idade (em meses ou anos) e sexo corresponde um valor de referência médio (percentil 50) em torno do qual se distribuem os valores das curvas de referência, que vão do valor superior máximo expresso nas tabelas (percentil 95 das curvas dos antigos boletins ou percentil 97 de acordo com as novas curvas da OMS, já incluídas nos novos boletins da saúde) ao valor mais baixo (percentil 5 ou percentil 3)”. Na prática, explica António Guerra, isto significa que “cerca de 95 por cento das crianças tem valores entre os dois percentis extremos.”
Assim, um bebé com um peso no percentil 10 não significa necessariamente que tem pouco peso, só porque está abaixo do percentil 50. Na prática, este valor significa apenas que 10 por cento dos bebés saudáveis com aquela idade tem um peso igual ou inferior ao daquele bebé. Da mesma forma, um bebé no percentil 90 não terá obrigatoriamente excesso de peso. Tudo depende da correlação com o percentil da altura.
“Um lactente com o peso no percentil 95 e uma estatura no mesmo percentil ou num percentil próximo (90 ou 97, por exemplo) não terá excesso de peso, ou seja, terá um índice de massa corporal dentro da normalidade”, explica António Guerra, referindo que ”se o comprimento/estatura estiver num percentil inferior, aí haverá já peso a mais para aquela estatura, que será tanto maior quanto menor o valor do percentil estatural”.
Queremos bebés “gordinhos”?
Pensar que o percentil 5 é pior do que o 50 ou que o 90 é melhor do que os outros é uma ideia errada já que, por si só, não significam nem que o bebé é excessivamente magro (no primeiro caso) nem que está mais desenvolvido que os outros (no segundo caso). Muitas vezes, esta descodificação dos valores não é explicada aos pais, acabando por gerar alguma ansiedade, sobretudo no que diz respeito ao percentil do peso. É frequente os pais preocuparem-se mais quando o percentil do peso é muito baixo, o que denota ainda a ideia de que um bebé “gordinho” é mais saudável do que um bebé magro.
“Espero que essa tendência, que admito ainda existir (já que são conceitos que vão passando de geração em geração), se vá modificando”, diz o pediatra, explicando que “se nos centrarmos no peso e no comprimento/estatura, será fácil compreender que há um peso ideal (dentro de uma certa margem de variabilidade) para cada estatura”. Ou seja, “se duas crianças da mesma idade tiverem estaturas diferentes, uma no percentil 10-25 e outra no percentil 90-97, esta última terá necessariamente um peso superior para que se mantenha a adequação do peso à estatura”.
Nos casos em que os dois parâmetros (peso e altura) se encontram em percentis diferentes, “é preferível que o percentil superior seja o da estatura, naturalmente desde que a relação peso/estatura se situe dentro da faixa da normalidade”. Ter um bebé “gordinho” “significa sempre um valor de peso num percentil superior ao da estatura, podendo mesmo significar já excesso de peso para a estatura”, alerta o pediatra.
Embora os pais se foquem mais nos percentis do peso e altura, há um terceiro parâmetro que é tão ou mais importante na avaliação do desenvolvimento do bebé: o perímetro cefálico.
“É um parâmetro somático fundamental já que traduz o crescimento do sistema nervoso central, que cresce no primeiro ano em termos dimensionais o que cresce nos 19 anos seguintes e que aumenta nos primeiros quatro meses de vida 50 por cento do que aumenta no primeiro ano”, explica António Guerra. Isto obriga a uma “monitorização muito cuidadosa do crescimento do perímetro cefálico no primeiro ano e, sobretudo, nos primeiros meses de vida, já que qualquer desvio da normalidade (crescimento insuficiente ou excessivo) deverá ser de imediato investigado e corrigido para que não resultem danos irreversíveis ao lactente”.
Desvios que preocupam
Da mesma forma, as alterações nas curvas dos percentis do peso e comprimento do bebé ajudam o médico a avaliar se existe algum desvio preocupante no seu crescimento e no estado de nutrição. Na maioria dos casos, as variações não têm grande significado até porque as crianças não se desenvolvem sempre ao mesmo ritmo.
“Quando se olha para as curvas de percentis verificamos que elas são muito perfeitas, alisadas, diria quase que traçadas a compasso. No entanto, as crianças na sua larga maioria não crescem com o mesmo perfil, ou seja, se unirmos os pontos de avaliação do peso e do comprimento/estatura de um lactente ou de uma criança assinalados nas tabelas, obteremos uma linha quebrada e não uma linha com o mesmo perfil das curvas de percentis”. Estas pequenas acelerações e desacelerações não significam que existe algum problema, “desde que a amplitude desses ‘saltos’ (para cima e para baixo) não seja considerada excessiva”, sublinha o pediatra. E esclarece: “Nunca será preocupante se essa amplitude não cruzar (para cima ou para baixo) um espaço correspondente ao intervalo entre dois percentis contíguos”.
O mais importante, acrescenta o pediatra, é que a linha de crescimento (em peso e comprimento) mantenha uma tendência “mais ou menos paralela às curvas de referência”, o que significa que existe um crescimento harmonioso e sem sobressaltos. Quando esta tendência revela alterações e, sobretudo, nos casos em que se verifica uma “aceleração ou desaceleração anormais”, então o médico “deverá investigar já que poderá haver uma situação de suprimento alimentar inadequado ou uma patologia subjacente”, nota ainda. Poderá existir, e por isso a situação deve ser bem avaliada, mas não significa que de facto exista. Porque cada criança tem o seu próprio ritmo de crescimento e uma herança genética que influencia as suas caraterísticas fisiológicas e que não deve ser desvalorizada. Por isso, mais importante do que se deixar influenciar por uma certa “ditadura” dos percentis, o melhor é não fazer comparações entre o seu bebé e os filhos dos seus amigos. Assim evitará certamente angústias e preocupações desnecessárias.
AS NOVAS CURVAS DE CRESCIMENTO
As curvas de crescimento que constam dos novos boletins de saúde infantil foram atualizadas no início de 2013 e traduzem, agora, um crescimento mais próximo do “ideal”. Em vez das anteriores tabelas, baseadas em valores de referência definidos nos Estados Unidos pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), a Direção-Geral da Saúde adotou as curvas propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Desde o final da década de 80 que a OMS vinha reconhecendo a inadequação das curvas norte-americanas, particularmente as referentes aos primeiros anos de vida, apelando à necessidade de se construírem novas curvas preferencialmente elaboradas com base em avaliações longitudinais e que traduzissem o perfil de crescimento de crianças nascidas e criadas em ambiente favorável”, explica António Guerra.
As novas curvas traduzem o “modo ideal de crescimento, já que foram construídas com base em populações que cresceram em ambiente favorável, de acordo com o seu potencial genético”. Entre esses fatores favoráveis ao crescimento “destaca-se, desde logo, a alimentação com leite materno exclusivo no primeiro semestre de vida e sua manutenção durante todo o período de diversificação alimentar até pelo menos ao ano de vida”.
As antigas tabelas foram definidas com base numa amostra de bebés alimentados com fórmulas lácteas, pelo que as curvas não eram as indicadas para avaliar da forma mais correta o crescimento de um bebé alimentado exclusivamente com leite materno.
”O perfil de crescimento é diferente nestes lactentes”, confirma o pediatra, sublinhando que “a composição corporal de lactentes alimentados exclusivamente ao peito também é diferente, no sentido de um claro benefício do ponto de vista somático e metabólico, com menor frequência de patologias a curto e longo prazo, como é o caso da obesidade e de doenças metabólicas e cardiovasculares”. As novas curvas são, assim, mais “rigorosas na identificação dos desvios da normalidade”.